
A ex-ministra Marina Silva mantinha tenaz coerência com a missão que se propôs de introduzir a partir de seu Ministério a transversalidade do cuidado ecológico em todas as instancias do poder, no esforço de conferir uma direção inovadora e à altura dos desafios contemporâneos ao desenvolvimento sócio-ambiental sustentável. Foi vista como obstáculo ao crescimento e como empecilho à modernização. E efetivamente era e precisava se-lo. Não é possível com tudo o que sabemos da história e da experiência recente continuar com o tipo de crescimento retrógrado que visa a acumulação à custa da devastação da natureza e do aprofundamento das desigualdades sociais. Há que se estigmatizar essa modernização conservadora e socialmente criadora de tantas vitimas no campo e nas cidades. As pressões contra a ministra vindas do interior do próprio governo e do exterior, de grupos poderosos ligados à pecuária e ao agronegócio solaparam a sustentação política e a viabilidade de seu trabalho, especialmente, com referência à preservação da floresta amazônica. Retirou-se do ministério pela porta da frente, com elevado espírito público e ético, protestando lealdade e fidelidade ao presidente.
Marina Silva era uma das reservas éticas do governo, uma referência de credibilidade para o Brasil e para o mundo. Mas ética era pouco para ela. Movia-a uma inspiração espiritual, de serviço à vida e de proteção a todo o Criado. Ela me faz lembrar a frase de um dos grandes pensadores da escola de Frankfurt que foi um rigoroso marxista e materialista: Max Horkheimer. No final de sua vida escreveu um instigante livro:"Saudade do totalmente Outro". Ai, como marxista e não como cristão, diz:"uma política, sem teologia, é puro negocio". E explicava:"teologia significa aqui, a consciência de que o mundo não é a verdade absoluta, que não é o fim; teologia é a esperança de que tudo não se acabe na injustiça que tanto marca o mundo, que a injustiça não detenha a última palavra". Estimo que Marina Silva mostrou em sua vida e prática a verdade desta sentença. Por isso todos lhe somos agradecidos e devedores.
Autor: Leonardo Boff, teólogo, escritor, professor emérito de ética da UERJ e membro da Comissão da Carta da Terra.
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