Desde que o Governo brasileiro definiu em 2006 o sistema digital de televisão para o país, tornou-se necessário a adoção também de um sistema digital para as rádios. Da mesma forma que aconteceram várias polêmicas e pressões para adoção do sistema digital de televisão, que se consolidou na escolha de um padrão misto Nipo-Brasileiro chamado de ISDB-TB tendo como base o sistema japonês pré-existente acrescentando tecnologias desenvolvidas nas pesquisas das Universidades Brasileiras.
Apesar dessa discussão parecer (e realmente ser) um tanto chata e técnica, é importante nos informarmos, buscar conhecer melhor as propostas e influenciar como cidadãos na tomada de decisão pelo governo, pois o setor econômico não descansa com seus lobbies para ter seus interesses exclusivamente financeiros atendidos, e essa decisão é vital pois definirá um sistema que determinará a ampliação ou restrição ao direito à comunicação pela população brasileira, especialmente em regiões de baixo “potencial” econômico, como as comunidades rurais e do interior da Amazônia e do país.
Por isso estamos divulgando aqui 2 cartas de iniciativa das organizações da sociedade civil que atuaram na preparação e realização da I Conferência Nacional de Comunicação, na qual a ComVida foi eleita como delegada, representada pelo seu coordenador Fidelis Paixão, e que estão envolvidas na luta pelo direito à comunicação como um direito de todos os humanos.
A primeira carta é uma iniciativa do Movimento de Rádios Livres, está em fase de discussão e aberta a adesões. Informe-se mais em www.radiolivre.org.
Carta Aberta das Rádios e TVs Livres pela escolha do DRM (Digital Radio Mondiale) como padrão técnico para o SBRD (Sistema Brasileiro de Rádio Digital).
Através desta carta, nós de Rádios e TVs Livres expressamos nossas reflexões sobre a melhor opção para o Rádio Digital no Brasil e no mundo. Defendendo a livre apropriação do meio Rádio, por qualquer grupo de pessoas que queira se expressar livremente, sem censura ou fronteira, local e globalmente, somos a favor da escolha do DRM - Digital Radio Mondiale - como o padrão de Rádio Digital a ser adotado no Brasil e no Mundo.
Ponto 0 - Existem implementações disponíveis para download tanto da modulação quanto da demodulação do DRM, tornando possível a criação de moduladores/excitadores DRM a um baixo custo utilizando-se plataformas de SDR (Software Defined Radio).
Ponto 1 - O DRM permite que se aumente o número de rádios na faixa da atual transmissão FM, visto que cada rádio FM ocupa 200kHz, e uma transmissão DRM nessa faixa ocupa 100kHz. Na verdade, visto que numa mesma transmissão DRM pode-se transmitir 4 serviços de áudio, seria possível rádios livres de uma mesma região se unirem, por exemplo, e tornar o aumento que o DRM proporciona em número de rádios possíveis em 8 vezes (2 vezes devido a utilização de metade da banda do FM, e 4 vezes devido a possibilidade de se transmitir 4 rádios utilizando-se um único canal DRM).
Ponto 2 - Rádios que hoje transmitem na faixa de Ondas Médias e Ondas Curtas terão grande aumento da qualidade do áudio. Rádios que hoje transmitem na faixa do FM poderão transmitir em até 5.1 surround. É possível transmitir slideshows com fotografias, textos, websites, e até vídeo ao vivo em baixa definição no padrão DRM.
Ponto 3 - O DRM funciona para se transmitir na faixa de ondas curtas, o que torna possível rádios com alcances continentais e até intercontinentais. Além disso permite a utilização de faixas de broadcast em ondas curtas hoje totalmente inutilizadas, como a faixa dos 26MHz, que potencialmente podem ser utilizadas para permitir que muitas novas rádios sejam criadas, e que durante o período de transição do analógico para o digital, todas as rádios tenham espaço no espectro para transmitir em analógico e digital. Nenhum outro padrão de Rádio Digital funciona na faixa de Ondas Curtas.
Ponto 4 - Para se obter a mesma área de cobertura de um transmissor analógico, utilizando-se o sistema DRM, é necessário o uso de aproximadamente somente 1/10 da potência utilizada no transmissor analógico, ou seja, o padrão DRM trará uma enorme economia de energia para as rádios, além do transmissor ficar bem mais barato, já que a parte mais cara de um sistema de transmissão é a parte de potência do mesmo.
Ponto 5 - O DRM é um padrão mundial novo, sendo que países de dimensão continental como a Índia e a Rússia já anunciaram sua adoção. Isso abre a possibilidade de um padrão para Rádio Digital que seja utilizado globalmente.
Ponto 6 - O DRM é um padrão de Rádio Digital que permite que rádios de baixa potência existam, assim como rádios de grande potência e mantém o esquema descentralizado de transmissão do rádio, que é como deve ser, para possibilitar que todos possam transmitir/receber, onde quer que estejamos.
Ponto 7 - O DRM é o melhor padrão de Rádio Digital que existe em nossa visão, visto que o grupo de padrões que requerem uma distribuição centralizada (como o DAB) nós rechaçamos, visto que isso gera um controle centralizado das transmissões, e o outro grande padrão considerado, o HD Radio, é proprietário de somente uma empresa, e assim como outro padrão de rádio digital, o ISDB-Tsb, eles utilizam maior banda espectral do que o DRM, favorecendo a escassez de canais para rádios, contribuindo para a manutenção dos grandes monopólios.
Ponto 8 - Já temos o conhecimento de como transmitir e receber DRM, ler "http://www.radiolivre.org/node/3825" e "http://www.radiolivre.org/node/3807", de forma que em breve teremos nossos transmissores DRM a um baixo custo.
Ponto 9 - Somos contra o desenvolvimento de um padrão técnico nacional, visto que o padrão DRM atende a todas as necessidades brasileiras e mundiais. O consórcio DRM que gere as normas do DRM e seu futuro é uma organização aberta que aceita novos membros, desenvolvimentos e melhorias. Queremos um padrão técnico mundial, de forma que as pessoas possam transmitir e receber rádio sem fronteiras nem censuras.
A segunda Carta é iniciativa de organizações da sociedade civil que se envolveram diretamente na I Conferência Nacional de Comunicação, com a identificação das subscritoras ao final.
CARTA ABERTA SOBRE O RÁDIO DIGITAL
No último dia 30 de março o Ministério das Comunicações publicou a Portaria n. 290, instituindo o Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), estabelecendo os objetivos do mesmo. Embora o texto da Portaria não avance muito além do que já constava no texto do Chamamento Público do ano passado, entendemos que estamos entrando em mais uma etapa do processo de definição do padrão de rádio digital a ser adotado no Brasil. Por se tratar de um tema de grande interesse público, as entidades abaixo assinadas lançam esta carta aberta como um alerta às autoridades e um chamado à sociedade brasileira.
Entendemos que a digitalização da transmissão é fator essencial para a sustentabilidade do rádio no ambiente de convergência midiática. A mudança representará uma melhoria da qualidade de som, especialmente em relação ao AM, novos usos e funcionalidades para o aparelho receptor, incluindo a oferta de dados e serviços complementares de valor agregado, além de dispositivos tecnológicos que permitam abertura para a convergência com outros meios dentro da mesma linguagem digital. Embora o rádio já esteja presente na Internet e celular, acreditamos que a digitalização da transmissão poderá integrá-lo à convergência midiática. Entretanto, para que isto ocorra de modo consistente, é indispensável que a definição tecnológica seja precedida pela definição dos modelos de serviços e de negócio, uma vez que os atuais impasses do rádio localizam-se no esgotamento dos referidos modelos.
Temos clara a importância social do rádio pela sua presença marcante no cotidiano da maioria da população brasileira. É o meio de informação e entretenimento por excelência, especialmente para os que estão em trânsito nas grandes cidades e para os que vivem no interior, nas pequenas cidades, na zona rural e, em particular, em macrorregiões como a Amazônia. Integra o sistema de comunicação do país de forma expressiva. São mais de oito mil emissoras em funcionamento entre comerciais, educativas e comunitárias. As comerciais oferecem mais de 300 mil empregos diretos e indiretos, e faturam por ano R$1.673 milhões (pesquisa FGV e IBRE de 2007).
Temos, também, consciência do lento processo de migração para o sistema de transmissão digital registrado em boa parte do mundo. A dificuldade está relacionada a características tecnológicas dos sistemas disponíveis que dificultam sua adaptação ao modelo de radiodifusão, ao marco regulatório e as regras de mercado em cada país. Em alguns países europeus, o sinal digital do sistema DAB (Digital Audio Broadcasting), por exemplo, não tem boa recepção dentro de edifícios, especialmente os situados em ruas com grande densidade de prédios e tráfego intenso. Sabemos que o sistema americano HD Rádio (IBOC) apresenta problemas semelhantes: o sinal é mais baixo em relação a estação de sinal analógico. Além disso, os aparelhos receptores em HD Radio são incompatíveis com DAB e DRM.
Reconhecemos que o Ministério das Comunicação tem promovido testes em busca de um padrão que possa ser adequado ao sistema de radiodifusão brasileiro. Foram testadas apenas duas normas de rádio digital: o HD Radio (também conhecido como IBOC), padrão proprietário dos Estados Unidos, cujo resultado dos testes parecem não terem sido os esperados, e que merecem ainda uma maior divulgação e publicização, e o DRM (Digital Radio Mondiale), de origem europeia, cujos testes estão sendo realizados em escala muito inferior ao IBOC e sequer foram concluídos. Defendemos que esse processo de testes deve se ampliar e aprofundar, e deve ganhar contornos mais transparentes e públicos.
Reconhecemos, também, que a Portaria nº 290/2010 de 31 de março de 2010 do Ministério das Comunicações que institui o Sistema Brasileiro de Rádio Digital – SBRD é positiva, porque sinaliza com valores fundamentais que devem balizar a escolha de soluções tecnológicas, dos quais destacamos: a) proporcionar a utilização eficiente do espectro de radiofrequência; b) possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa no ajuste e melhoria do sistema de acordo com a necessidade do País; c) viabilizar soluções para transmissões em baixa potência, com custos reduzidos; d) propiciar a criação de rede de educação à distância; e) incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais; f) propiciar a transferência de tecnologia para a indústria brasileira de transmissores e receptores, garantida, onde couber, a isenção de royalties.
Embora essas e outras diretrizes sejam essenciais, entendemos que a portaria não encerrou o debate sobre o modelo a ser adotado, nem sequer o definiu e, portanto, indica a necessidade de abertura e tempo para a sociedade apropriar-se mais das questões relativas à digitalização do rádio. É necessário garantir, ao longo dessa próxima etapa, maior transparência e controle público neste processo.
Lutamos recentemente pela realização da I Conferência Nacional de Comunicação, e nela defendemos a abertura urgente de profundo e consistente debate que envolva a sociedade em um amplo processo de consultas e audiências públicas, os setores da radiodifusão (público, privado e comunitário), a indústria de equipamentos, e técnicos do Ministério das Comunicações, de Universidades brasileiras e de centros de pesquisas.
Nesse sentido, as instituições e entidades abaixo assinadas reivindicam do Ministério das Comunicações a constituição de um Grupo de Trabalho (GT) que tenha como objetivo traçar uma estratégia comum sobre a política de implantação do rádio digital no Brasil, bem como possibilitar o monitoramento pelas entidades sobre os próximos passos dos agentes públicos na consolidação dessa política. Num primeiro momento o grupo debateria as diretrizes políticas (diversidade, pluralidade, universalidade e gratuidade) e diretrizes técnicas (royalties, cobertura, uso do espectro, serviços agregados, entre outros) apresentadas na Portaria nº 290/2010 à luz dos resultados dos testes já realizados com HD Radio e DRM.
Alem disso defendemos estudo comparativo de experiências internacionais com outros sistemas, tais como o DAB e sua família (DAB +), DMB, DRM, FMeXtra e o ISDB-TSB. Defendemos, portanto, uma avaliação criteriosa e comparativa desses modelos relacionando-os com os testes de eficiência já realizados.
Defendemos que o SBRD seja transformado em lei própria, a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Mas antes disso será necessário o seu aperfeiçoamento a partir da discussões a serem realizadas pelo GT aqui proposto pelas entidades.
Lembramos que uma decisão precoce, sem a devida avaliação do seu impacto em nosso sistema de radiodifusão, poderá acarretar em baixa penetração do serviço, prejuízo para o setor de radiodifusão, reduzido interesse da população, não ampliação de postos de trabalho e ausência de políticas públicas no sentido de maximizar a inclusão digital e os serviços públicos.
Temos consciência que a adoção de qualquer sistema sem debate e reflexão rigorosos, ou de forma automática e sem aprimoramentos tecnológicos poderá trazer sérios problemas e não atender à realidade brasileira. Por isso, não podemos descartar a possibilidade futura do Brasil vir a optar por um SBRD com tecnologia genuinamente nacional, com a garantia do devido incentivo financeiro e estrutural para a sua realização. Sabemos que, independente do modelo a ser adotado, as adaptações poderão se fazer necessárias. E para isso torna-se estratégico saber quais são as nossas demandas para aprimoramento e como podemos envolver todos os setores capazes de contribuir para a melhoria e adaptação do sistema. O referido debate, insistimos, deve ser antecedido pelo debate sobre os modelos de serviços e de negócio, uma vez que sem modelos democráticos e acessíveis a continuidade do rádio brasileiro não está assegurada. Sobre possíveis adaptações, lembramos o que aconteceu com a TV Digital, em que o ISDB japonês sofreu uma evolução, passando a utilizar a codificação MPEG-4 e a interatividade Ginga, desenvolvida no Brasil, pelas universidades PUC-Rio e UFPB.
Como em qualquer transição será necessário compreender que o processo de construção de políticas públicas para o rádio digital precisa estar alicerçado em alguns critérios, tais como: a) garantia da manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, por parte do ouvinte; b) a transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção; c) adaptabilidade do padrão ao parque técnico instalado; d) coevolução e coexistência com o padrão analógico; e) aparelhos receptores de baixo custo; f) adoção de uma tecnologia não proprietária e com potencial para interconectividade com outras mídias; g) interatividade real time; h) multiprogramação; i) democratização do uso do espectro, com a ampliação do número de outorgas disponíveis e maior presença de rádios públicas e comunitárias; j) garantia de igualdades de condições para o processo de transição de padrão, incluindo aí as rádios comunitárias.
São critérios que preservam, de alguma forma, a experiência social, histórica e cultural do meio. Integrado a um modo de vida, o rádio se vincula às identidades culturais do lugar, aos saberes cotidianos, ao partilhamento de patrimônios comuns como a língua, a música, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um espaço de reconhecimento do público como pertencente a uma dinâmica cultural local. Portanto, para ter sentido e ser útil, as intervenções das políticas públicas nas estruturas se guiam e se justificam por objetivos relacionados ao conteúdo. Significa por em relevo não somente as relações entre economia e política, mas também a dimensão do consumo. O que implica em considerar a cultura como um componente inerente à formulação de políticas públicas de transição para o rádio digital.
A migração do rádio brasileiro do padrão analógico para o padrão digital e sua integração na convergência tecnológica é uma política pública de interesse do conjunto da sociedade brasileira, interessa a empresários, profissionais da comunicação, ouvintes, gestores públicos, técnicos e cidadãos em geral. Portanto, esta política pública deve ser construída de forma amplamente democrática, ouvindo o conjunto da sociedade e garantindo ferramentas de participação popular e controle público.
Brasília, 23 de abril de 2010
Assinam esta carta aberta as seguintes entidades:
ABRAÇO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária
ANEATE – Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão
AMARC – Associação Mundial das Rádios Comunitárias
ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil
CUT – Central Única dos Trabalhadores
CFP – Conselho Federal de Psicologia
FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
FITERT – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
INTERVOZES – Coletivo Brasil de Comunicação Social
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