É claro que falar de fé cristã e meio ambiente não é tarefa simples. Minha formação acadêmica é em história. Não sou teóloga. Converti-me há oito anos. Como muita gente, eu me converti pela dor. Tinha sofrido uma contaminação com mercúrio, que estava me fazendo perder a visão, a capacidade de movimentos, a memória matemática e espacial.
Ao converter, meu desejo era carregar comigo, durante todo o tempo, a minha Bíblia. Mas, por ter um grave problema de visão, tive que optar por uma Bíblia de letras grandes e minhas filhas me criticaram, dizendo que aquela era uma Bíblia usada por idosos. Fiz, então, o design dessa Bíblia produzida em couro vegetal, que levo sempre comigo.
Muitas vezes, nas igrejas, nós temos a idéia de que os ambientalistas, os que defendem o meio ambiente, são pessoas que prestam culto à natureza ou que fazem isso porque têm alguma participação em movimentos esotéricos. É claro que isso pode acontecer. Mas a defesa do meio ambiente para nós, cristãos, não é uma questão política, ou utilitária; é uma ordenança divina.
Quando me converti, comecei a ver a Bíblia com outros olhos. Passei a ver exatamente o que havia de ensinamento para o meu trabalho. Eu era senadora, lidava com temas como meio ambiente, direitos humanos, educação, questão social, violência...
O texto de Isaías 11.6 (“O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito...”) sugere que haverá uma vida em que naturezas, aparentemente opostas, se encontrarão. Isso tem um sentido espiritual.
Certa vez, ouvi o pastor Jesse Jackson dizer que o meio ambiente é o primeiro espaço, a primeira casa, o primeiro ethos, onde essa profecia se cumpre. Sabem por quê? Porque o lobo precisa de água potável, o cordeiro também. O lobo precisa de alimento; portanto, tem necessidade de terra fértil. O cordeiro também precisa dela. Se pensarmos que ambos precisam do ar puro para que possam respirar, vamos perceber que tanto os países ricos como os países pobres, na questão do uso dos recursos naturais, têm de estar praticamente no mesmo espaço.
A Bíblia nos apresenta várias passagens nas quais encontramos Deus se reportando à questão do cuidado com a natureza. Uma delas está em Gênesis 2.15: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no Jardim do Éden para o cultivar e guardar”. Nesse mesmo versículo, o Senhor acrescenta: “para o cultivar e guardar”. Guardar, no sentido de cuidado, de zelo. Por que cultivar? Porque a terra era e permanece sendo algo como um jardim abundante, com toda espécie de animais, de frutos...
Quando desrespeitamos a natureza, não utilizamos de forma sustentável os rios, as florestas, o solo, o ar, aquilo que é necessário para a vida do planeta, demonstramos a falta de importância dada às gerações futuras, transmitindo a idéia de que nós precisamos extrair tudo agora porque pensamos apenas, no máximo, nos nossos netos. Essa é uma visão completamente fora do propósito de Deus na relação do homem com a natureza.
Abraão também nos apresenta um interessante testemunho, pois foi enviado para uma terra que não conhecia, a fim de ser pai de uma grande nação, uma geração tão grande que nem poderia ser contada. Ele se preocupou com as gerações futuras. Esta é uma parte muito bonita na Bíblia: “Plantou Abraão tamargueiras em Berseba e invocou ali o nome do SENHOR, Deus Eterno” (Gn 21.33). Quantos anos tinha Abraão quando plantou aquele bosque de tamargueiras? 80 anos? 100 anos? Por que um homem de idade tão avançada haveria de se preocupar em plantar um bosque de tamargueiras, se ele não comeria do fruto daquelas árvores, se não usaria as suas sombras para descansar? Ele plantou as tamargueiras simbolizando a sua aliança, o seu cuidado com as gerações futuras.
Há vários momentos na Bíblia em que Deus nos ensina claramente a respeito do cuidado com a natureza. Ainda no Pentateuco, na elaboração da Constituição do povo judeu, Ele nos chama a cuidar do meio ambiente. Em
Deuteronômio 22.6, Ele nos ensina a cuidar dos animais, quando diz: “
Se de caminho encontrares algum ninho de ave, nalguma árvore ou no chão, com passarinhos, ou ovos, [...] não tomarás a mãe com os filhotes”. Matar a mãe com os filhotes é comprometer a reprodução dos animais. E, comprometida a sua reprodução, as espécies entrarão em extinção.
Deus é cuidadoso, também, com as espécies, com a variedade de alimentos. No mesmo capítulo de Deuteronômio, no versículo 9, Ele proíbe a mistura de diferentes espécies de sementes, para que não seja profanado o fruto da vinha. E, no versículo 8, do mesmo capítulo, o Senhor nos ensina a segurança no trabalho: “Quando edificares uma casa nova, far-lhe-ás, no terraço, um parapeito”. Sempre que eu passo na frente de construções que têm aqueles tapumes de proteção, eu me lembro dessa passagem, pensando em como Deus, já naquele tempo, recomendava que se colocasse a proteção, para se evitarem os acidentes e, segundo Ele, não houvesse “culpa de sangue”.
Há muitas outras passagens em que Deus fala a respeito do cuidado com a natureza, mas estas são suficientes para despertar e incentivar os cristãos a refletirem sobre sua atuação nesse aspecto.
É claro que o homem foi feito para dominar o meio ambiente. Mas, tomemos, como exemplo, o domínio divino. Por acaso o domínio de Deus é tirano? Por acaso é descuidado? Por acaso é irresponsável? Não. O domínio de Deus é perfeito. E se ele fez o homem à sua imagem e semelhança e lhe disse que deveria dominar a terra e tudo o que nela há, é no seu referencial e não no referencial humano, utilitarista, oportunista e, muitas vezes, exclusivista, que o homem deve dominar a natureza. Tenho certeza absoluta de que o nosso país pode ser ricamente abençoado. Oremos por isso.
Nossa fé deve caminhar seguindo a vontade de Deus. Deve ter sempre como alvo a edificação. Deve ser coerente com o nosso desejo de que os governantes não busquem a sua própria prosperidade, mas estejam interessados em conhecer e buscar o cumprimento dos propósitos de Deus para o país. Com certeza, isso resultará na alegria do povo e no júbilo divino.
Peço que orem por mim, que orem pelos nossos governantes. Para que não cometamos erros e, se os tivermos cometido, sejamos capazes de nos corrigir e passar a evitá-los. O Ministério do Meio Ambiente está trabalhando com políticas integradas, controle social, desenvolvimento sustentável, fortalecimento da política ambiental, e a questão de uma política que contemple os vários segmentos da sociedade.
Não tenho dúvida de que a igreja pode ajudar. Eu até penso que poderíamos encetar um grande movimento, dentro das igrejas, chamado “Jubileu Ambiental”. Todos aprenderiam que o cuidado com o meio ambiente não é responsabilidade só dos ambientalistas, mas de todo cristão. Deus no colocou no jardim não só para cultivá-lo, extrair dele o nosso sustento, mas também para cuidar dele.
*Marina Silva é Ministra do Meio Ambiente do Brasil.